quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Sorriso


‎"O Sorriso (este, com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso."

José Saramago

quinta-feira, 15 de março de 2012

Tinta.

O Azul ganhou outra força. Essa cor mágica que me pintou dias e noites, que dava os últimos acabamentos às historinhas diárias que preenchiam os cadernos vazios. Essa mesma cor que se envolveu nas minhas lágrimas para pintar novos quadros, ou para escrever mais histórias, tão diferentes, com pessoas tão diferentes, com homens-meninos tão diferentes. Histórias Azuis, sem fadas nem dragões, só com uma Mulher e um Homem, tantos homens, que em nada foram felizes para sempre, nem tinham castelos, coroas ou espadas. Tinham apenas Azul. Nos dias que passavam e nas noites onde não dormiam, onde trocavam beijos Azuis, carícias Azuis, sentimentos Azuis. Eram histórias encantadas por aquela tonalidade mediúnica, que tornava cada história, de cada homem, melhor e mais fantasiosa que a anterior. Faziam-me sonhar mais profundamente, infinitamente tendo os limites do mundo como barreiras físicas de um engodo frágil que se podia confundir com uma onda pequena e perdida no oceano; ou com um pedaço de céu entre duas nuvens recortado. Era o Azul que me movia, não eram os homens. Só descobri o poder dessa cor quando tornei a escrever e a tinta já não era Azul. Todas as lágrimas, que encerraram as histórias inacabadas que guardei nas linhas ciânicas que escrevi, haviam secado. A tinta para escrever a nova história ainda estava por descobrir. Talvez no meio da horta ou no prado. Talvez as manchas de terra fresca pudessem substituir as palavras, tão pobres em significados.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Nada devemos temer excepto as palavras. Essas, fontes interruptas de maus sentidos, que escorrem falcatruas e enganos, como se da mais pura água se tratasse. As palavras não servem para nada, nem para dizer poesia, nem para ler uma notícia. Na cabeça não pensamos as palavras, não estão lá escritas, como subtítulos de um filme mudo. Na cabeça, de olhos fechados, os pensamentos são cor, são som; não são amontoados de letras ordenadas e compostas, que se alinham direitinhas para se comporem para o espectador incauto que assiste ao seu próprio cérebro em acção. Para nada servem elas. Não quero usar mais as palavras para viver; os meus olhos serão as janelas mais claras dos meus desejos, o meu nariz guiar-me-á num melindroso caminho de gentes, de aromas únicos, da Casa que cada um guarda nos poros e que se instala nas pilosidades nasais. Os meus ouvidos escutarão o silencio, esse tão cheio de ruídos e melodias, que se perdem no meio de demasiadas palavras.
A boca, essa, só servirá para os beijos. Esses são mais ricos que as palavras, que existem no pensamento, na noite e no dia; que vociferam muito mais alto que qualquer ditongo ou onomatopeia estúpida. Para mais não necessito da língua, dos dentes e do maxilar senão para os beijos que dizem, tão simplesmente, o quanto gosto de ti. Sem que palavra alguma interfira no vero sentimento que me envolve em ti.
Contigo nada temo, nem mesmo as palavras.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Janeiro.

Janeiro chegou, naquela janela aberta, onde o Sol penetrava docemente, aquecendo o chão poeirento da sala.
Com ele veio o calor de Dezembro, o céu estrelado e a lua cheia.
Janeiro nada deixou para trás, pois todos aqueles dias existiram.
Não foram meros raios de sol, constelações perdidas ou quartos minguantes.
Foi assim, foi uma dança na rua e um abraço apertado.
Fomos nós a chegar com Janeiro no peito.