sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Paradiso .

O cabelo negro, que lhe caía nos ombros, balançava violentamente.
De cotovelos firmemente apoiados na colcha Azul, que de tanta agitação deixava adivinhar os lençóis brancos de linho, olhava o tecto. A sua cabeça pendia para trás, permitindo-lhe a bela panorâmica que se abria ebúrnea diante dos seus olhos. O paraíso retribuía-lhe o sorriso feliz. Mais que a modesta tinta branca, eram nuvens que dançavam sobre o seu corpo desprotegido, nu. E nesse sorriso, de par em par, via a magia do limiar da vida. A barreira mais complexa entre a vida e a morte, entre o nascimento e a reencarnação. A insustentável leveza que dela fluía, naquele preciso instante, procurava ascender ao éden, o mesmo que contemplava com os seus olhos felinos. Talvez se os fechasse, aquele espectro do que era, não se escapasse de si. Talvez permanecesse encantado, qual serpente, pelos gemidos de ócio e prazer que se lhe escapavam, pontualmente, da garganta.
Decidiu então gritar. Do peito lhe saiu a canção mais bela que alguma vez escutara. Uma indecifrável mistura de notas graves e agudas ecoou por todo o quarto e bateu na janela, qual insecto perdido na vidraça fechada. Os olhos, que não fechara, abriram-se e viram finalmente o que se escondia para lá das nuvens baças, que flutuavam, embaladas pela melodiosa composição que lhes bradara. Espreitando do outro lado do espelho, não era Alice que lhe sorria. Era Ele. Reflectindo na pele morena o sol que entrava pelo pequeno postigo. Longe das nuvens, o paraíso estava bem mais perto do que a sua imaginação a levara. Sentia-se leve, tão leve, que a sua força escorria pelas costas nuas, entre as chagas de suor, ameaçando baixinho que a deixaria cair nos braços fortes que, até então, a abraçavam. Contudo, temor algum se apoderava de si, ao ser achada pelo seu sorriso ebóreo, que suspenso bailava no seu olhar. Olhos seus jamais cruzariam outro oceano, deixando ao sabor do vento réstias da melodia única, que num momento, ou em dez, entoara. Da imensidão se fez a paz. E o tecto branco não estava mais ali. A colcha Azul sumira. E o Sol misturava-se na revolução de cores que a penetravam com força, revelando-lhe o melindroso caminho para a Luz. Para o Paraíso. Para Ele.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Agosto.

Sob o olhar perdido
Que vagueia sem dar por isso
Sobejam campos amarelados.
Não dourados,
pois o ouro que os banhava
Perdeu-se no ar de Agosto.

É na imensidão do trigo seco
Que vagueiam os seus sonhos
Os sonhos reais
Tão seus.
Aqueles que tivera nas mãos
E voaram com a brisa de Agosto.

Fecha os olhos
Para o ver uma vez mais
Trocando o vasto campo
Pelo sorriso que a enternecia
Pelas palavras, as mil palavras
Que ecoavam em Agosto.

Os campos continuam a correr
Bem como horas e dias
Setembro chegou assim,
Amarelo canário
Na sombra do que fora nela
No Azul de Agosto.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Promissão do Quinto Império

"- Deixe ser. Quanto mais absurdo, mais poético! Quanto mais poético mais verdadeiro. Logo, silogisticamente, (se as premissas não estão mal) (e valha-me Noval...!: a segunda até está bem; e a primeira não está mal) - quanto mais absurdo, mais racional."
Vicente Sanches

Uma Resposta.

Uma certa vez, uma linha pequena andava perdida nos meandros da terra, entre outras tantas incontáveis linhas que recheavam, que se amontoavam, no espaço imenso (Azul) que tinham sob si próprias.
Mas aquela linha, a pequena continuava perdida, pois as linhas não têm boca, não podem dar, nem pedir indicações. Também não têm olhos, não podem ver um mapa. E não sabem para onde vão, pois não têm cérebro. Não se sabe ao certo se é um coração que bate, uma alma que pulsa, ou , simplesmente, a força gravitacional que as move. Mas na verdade as linhas circulam, vagueiam, percorrem o mundo que não sabem ser delas.
Aquela, a linha da primeira linha, continuava a passar perdida, sem saber que estava, efectivamente, encontrada sob o olhar de um público invísivel no grande espectáculo mudo e fantástico do qual era protagonista. Assim nada mais seria digno de se registar , se não fosse uma outra linha tão igualmente perdida; tão dona da sua unidade, que foi esbarrar contra a primeira linha, da primeira linha. Tal acontecia com frequência às linhas indigentes, que correr mais depressa que o tempo sem o contar. Porém, aquela primeira linha, da primeira linha e a linha da nona linha, que eram unas, como tantas outras, e da sua unidade se fez o Universo. Magia engarrafada, pronta a sair no mercado. O maior cliché de linhas que se encontram e se envolvem, num choque frontal, lateral ou de traseira, numa sintonia e tosca, que nada tem de branco com olhos encarnados, saindo de uma cartola. Só duas linhas que perderam a sua unidade, num momento ou em dez. Era aquela linha, a primeira pequena, e aquela linha, a nona de tamanho incerto. Eram elas e não outras duas, que se encontravam nelas próprias , na conjuntura da sua unidade. E d'una, virou mar, imensidão, infinito. Uma só, mais rica, sem qualquer orgão vital, e com um futuro assente no vaguear da própria solidão. E das linhas sós se fez uma, um todo que fora outrora um só.
Haverá mais valorosa unidade que a de si só e do mundo seu, que é ela própria? É o destino a linha una, é ele a primeira e a última linha que procuram alinhar-se no correr do mundo e dos dias.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Uma Fatalidade.

Espero por Ti, que já não vens.
Eu sei que não vens, porém, continuo a esperar; sobre os pés, já inchados e doridos, ergo-me e caminho na sala escura, calcetando cada mosaico do chão, fazendo contas infinitas de cabeça, sentindo o tempo que me passa nas veias, e te leva, a cada batimento, às mais recônditas células do meu ser.
Já não vens, sei eu bem. No meu imo acredito que é possível encontrar o que nunca perdi, porque nunca me pertenceu realmente. Acredito que, de par em par, o teu sorriso se abrirá só para mim como numa noite perdida, numa manhã encontrada, que outrora existiu.
Toda a Criação é fatalista. Tu chegaste, partiste, e hoje, que espero por ti, não voltas.
Destino?
O que é o destino?

Eu respondo, eu prometo que respondo!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mazurka .

Hoje tu és leve.
És um floco de neve
Frágil
(sinto-me frágil)
Uma unidade complexa
Única
Una.
Que lhe cai nos braços
Que se lhe deixa cair
Que pousa.

Os braços poderosos
Detêm todo o poder
Eventualmente
Esmagariam o floco
Ou, simplesmente,
Abandonavam as forças
Criando o abismo
E frágil
(esta noite estou tão frágil)
Se desmancharia no chão.

É doce, porém
Que te ampara
Que te sustem no ar
E te vê balançar perto de si
É firmemente, porém,
Que te segura
Apoiando suas mãos quentes
No teu cristalino ser,
Que derrete e se perde.
Virando pluma,
De ave verdejante.
Nas mãos que te acalentam,
Firmes te agarram
Te libertam
E te fazem voar.

domingo, 5 de setembro de 2010

Jack, o Estripador

" Os modernos estudos sobre o perfil dos “serial killers” indicam que eles, em sua maioria, são homens brancos, com Q.I. acima da média, desajustados no trabalho e na escola, de famílias instáveis, mães dominadoras, que odiavam os pais, sofreram abusos – psicológicos, físicos e/ou sexuais – quando crianças, com tendências ao voyeurismo, fetichismo e piromania, propensões suicidas, interessados em pornografia sadomasoquista, padeceram de enurese (urinavam na cama, quando crianças) e começaram suas carreiras torturando animais.
Todos nós conhecemos pessoas que se enquadram nesse perfil. Não? "
Rubem Fonseca

sábado, 4 de setembro de 2010

Afefofobia .

Olhava as mãos
Nada via
Além de carne.
Com as mesmas mãos
Fizera o mundo
o seu mundo.
Movera destinos
De planetas, de estrelas
Mudara o futuro
E fizera do passado nada.
Com as mesmas mãos
Que o sentiam.
As mesmas mãos
Que o devoravam
Aquelas mãos
Que nada viam.

Repugnância,
Pudor da carne nua
dos dedos que se entrelaçavam
Noutras mãos
Que não as suas.
Mãos que nada moviam
Que deixavam as estrelas cair
E os planetas ruir.
Sentia que o futuro
Já não podia mudar
Que o passado fora tudo
Era mera casca,
Cega e vã,
Num presente perdido
No sinuoso abismo
Das suas próprias mãos.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sobre Ti.

Ri
Muito Alto.
Sorri
Mostra-me o último molar
Que rompeu na infância perdida.
Olha-me.
Quero encontrar
Escondida nos meandros negros
De teus olhos Azuis
A doçura que foi tua
Que foi minha.

Sorri
Mais, e mais.
Mostra que a felicidade
Da pureza de uma brincadeira
É tão verdadeira
Como Tu
Que me olhas,
Sem doçura,
pois o sal de teus olhos imensos
Faz as lágrimas correrem
e fugazmente
Caírem no teu peito
Que me ampara.

Mas não te Rias.

Vagueia.

Passam os dias
Vejo as horas que se perdem
Como indigente
Percorro-as, perdendo-me
Nos dias encontrados
Se já perdida me encontro
O sentido nada faz.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ode ao Estudante de Coimbra .

Brada a Cabra
No alto da torre triunfante
Banhada pela manhã
Sombra éburnea
Que ascende aos céus imponente
Vigiando a agitação
Da arraia Coimbrã.

Faz os negros morcegos
Levantar voo agitado
Contra a corrida efémera
Dos primeiros raios de sol
Na plenitude ciânica do horizonte
Procurando o seu poiso
Na casa da Sophia eterna.

Convictos de um futuro
Entre livros e pesadas pastas
E gloriosos feitos.

NÃO!

Anseiam Maio,
ardentemente.
A sua semana, a sua perdição
Vivem entre ruas e vielas
Da sinuosa Baixinha
Mergulhados na droga do povo
Afogando anos perdidos
Da vida boémia
Que os acolheu.

E a sabedoria?
A glória estudantina!
A que Diabo se vendeu?