quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Se numa noite de Inverno um viajante.

"Há tanta gente, mais jovem ou mais velha que tu, que vive à espera de experiências extraordinárias - dos livros, das pessoas, das viagens, dos acontecimentos, de tudo o que o amanhã guarda em si. Tu não. Tu já aprendeste que o melhor que se pode esperar é evitar o pior."
Italo Calvino

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Memo.

Não sei bem qual o caminho que tomam. Surgem assim, como uma curta-metragem estrangeira, difusa e confusa, numa língua imperceptível. Também o cenário não lembra ao diabo; tem cor, muita cor. Brilhantes cores.
A éburnea luz ao fundo, ilumina cada prega do vestido Azul, que lhe balouçava ao vento, num contraste digital, alegando descaradamente qualquer batota que lhe passasse pela cabeça. Era essa mesmo que as deixava transparecer como água , uma após a outra: A do vestido Azul, a do dia solarengo em que passearam pela cidade, e aquela outra, numa tarde de chuva, na cama meia desfeita, partilhando uma caneca de chocolate ou, talvez, de café com leite (uma vez que não consegue precisar o sentido do paladar!).
E não param de surgir, cada vez mais intensas, mais brilhantes, deixando os corpos suados contrastar com os lençóis lavados, tão brancos como a luz que deles emana!
São as memórias perdidas, que se encontraram para a convenção anual de memórias achadas, que um dia foram dias longos, onde a luz era realidade, e não uma mera estratégia fotográfica e tecnológica, para tocar fundo nos olhos cansados de enganos.
Por isso mesmo não lhe chegou ao lábios o sabor do café, que partilharam naquela boca só. Por isso não ouviu o carro a apitar, quando passou por eles na colina de asfalto que tantas vezes percorreram. Por isso ele não está mais aqui.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Frio.

É cinza escuro
O aperto que trago
Uma tempestade minha
Inquieta.
Começa
E arrasta com ela o vazio
Que ficou de um outro Verão.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Todo o sentido do mundo que construí embaraçou-se num novelo de lã Azul, no fio do telefone e nas meadas de cabelo que ainda te tapam as orelhas.
Toda a plenitude de uma caneca de chá, entornou-se e embebeu esta papa de fios e linhas e sentidos que nunca me deste. Era agora uma moamba negra, que derramada na alcatifa fofa, tinha ainda um aspecto mais pestilento e ensopado.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Eram três vezes e meia.
A primeira não correu como devia pois todas as personagens falharam o compromisso e foram chegando! Quando se lida com personagens de contos, temos que estar preparados para estas eventualidades, mas quando marcamos para as três horas e o primeiro gnomo Azul chega perto das três e um quarto para montar as luzes, nem podemos dar o benefício do quarto de hora académico.
A segunda vez já foi mais composta. Depois do grande sermão que todos ouviram todos fizeram um esforço extra para chegar à hora marcada. Tal facto não deveria ter uma conotação negativa, mas, para personagens infantis, o cumprimento das regras nunca é visto com bons olhos! Contudo, o pessoal dos adereços tinha regressado de férias na semana anterior e as malas estavam um caos. Faltava a tiara e os sapatos da princesa, e ela, claro, não aceitava nenhuma bandolete que tivesse menos de vinte diamantes e dez rubis. Não havia cogumelos mágicos, só uns enlatados e laminados, que não serviam nem para paragem de autocarro dos pequenos gnomos! E as fadas? Pobres coitadas que não tinham pós mágicos, e andavam atarantadas, de asinhas murchas, para trás e para a frente, sem saber muito bem como ajudar, pois, sem aquelas purpurinas encantadas, os seus pequenos cérebros pareciam não funcionar! Para não falar de uma infinidade de utensílios de higiene e beleza, que deveriam ter ficado no armazém, e sem eles nenhum urso ou sapo mágico iria tomar partido daquela história! Assim não se podia trabalhar, por isso todos foram mandados embora, menos o pessoal dos adereços. Esses ficaram a fazer uma listagem do material em falta, de modo a providenciarem uma solução na vez seguinte!
Na tradição oral é dito que à terceira é de vez, e todos estavam bastantes expectantes com este número tão especial. Por isso, à hora prevista todos estavam presentes! Nos bastidores todas as escovas e pentes estavam numerados e organizados por espessura da escovagem, os vestidos pendurados pela ordem das cores do arco-íris, com a jóia que lhe correspondia numa pequena caixa de cartão colorida com o número correspondente ao vestido, e todas as casas e meios de transporte se encontravam brilhantes e lustrosos, prontos para serem habitados ou meramente utilizados.
Só faltava mesmo começar! Contudo, e quando todos já estavam na sua posição, prontos a seguir em frente e a originar o mais belo conto infantil do mundo, eis que se notou uma falha; o narrador?! Todos ficaram vermelhos e roxos, alguns mantiveram-se verdes, de frustração!! Ninguém conseguiu compreender como é que, depois de tantas tentativas, a peça mais importante falhava daquela forma.
Porém, a porta gemeu, e da fresta surgiu a testa alva e um nariz bonacheirão, com uns óculozinhos verdes de massa na ponta. Era Ele, cujas bochechas avermelhadas denunciavam a vergonha por ter faltado às suas responsabilidades depois de tanto ter ralhado e tanto ter trabalhado para que o conto andasse para a frente, quando o motivo fora apenas um cafezinho.
Eram, assim, três vezes e meia...