segunda-feira, 25 de abril de 2011

Gorda.

Olhava-se ao espelho e de imediato subiu pelo cano escuro o sabor amargo do suco gástrico que lhe aconchegava o estômago.
A imagem que tinha diante de si não era a que ela esperava ver, pois a grande força com que dava cada passo na rua, jamais poderia ser suportada por aquele ser disforme que lhe parecia ser ela, que ali se lhe apresentava como sendo a sua imagem no vidro cheio de manchas de humidade e de outros vapores que ali costumavam pairar.
Ainda assim era clara a imagem, da qual os seus olhos não se queriam afastar. Era a imagem do tempo que passara sem ela querer dar por isso. Do tempo que lhe penetrou no torso esguio e o tornou disforme, carregado de pesados fardos de carne, como se ali tivessem sido postos ao total acaso. Esse mesmo tempo entrou desenfreado pelos seus seios tímidos e doces, deixando-lhe uma aparência bestial, tal a vaca que pastou durante meses a fio para engordar e alimentar uma família por um ano inteiro.
Não percebera, não sentira o tempo, que lhe parecia não ter sido mais que breve, mas que ali, diante do espelho, não a deixava caminhar determinada como todos os dias fazia. Agora sentia-se uma vítima de violação, desprotegida e feia, que não tivera forças para lutar quando a sacudiu violentamente, contra a pedras que transportava consigo, e lhe mudou a imagem que via no espelho. A imagem que fora para ela um tesouro, e hoje não era mais que um desejo enraivecido de voltar para trás.

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