quarta-feira, 6 de abril de 2011

Avô João.

Três mulheres esperam impacientemente, na sala que vira tantas alegrias acontecer. Sentadas em torno da mesa, que, com o tempo, começava a balouçar ao mais ínfimo movimento, mantendo-se, contudo, hirta e resistente, aos pratos fartos que suportava, aos prantos desesperados que se apoiavam naqueles braços, nas noites em branco, preenchidas pelos seus bramidos enraivecidos. Nunca fora uma pessoa fácil de lidar. Embora aparentasse ser uma figura pacata, quando se exaltava os trovões soavam e estremeciam na sua garganta. Era também rezinga e mau tom, com um prazer extremo em desfazer as convicções sádias dos pequenos, que noutro tempo correram pela mesma sala onde, hoje, as três mulheres esperavam. Aquela sala que vira o Natal passar tanta vez, que agora se confundia com os aniversários e os almoços de Sábado. Todos esses, em que ele levava a pequenita pela mão, não voltaram a acontecer; perderam-se com os dias que passaram no calendário pendurado na parede, num Sábado qualquer, de uma página já arrancada. Ela pensava agora nesses que se perderam, recordando conversas das quais já não se lembrava e os passos que pareciam imensos, quando os seus pés pequenitos pulavam alegremente até à casa onde nascera e se criara, para um almoço de Sábado. Porém, os seus pés já não pulam, e não são mais pequeninos; os seus pés já não perdem os sapatos de fivela nas bancadas do circo, concretizando o seu espectáculo, tão próprio, que ele, o seu herói, protagonizara. Esses pés batiam agora, impacientemente, no chão, no silêncio da sala mal iluminada. Além do toque-toque do sapato, o silêncio carregava também o nervoso miudinho que as mulheres não conhecem, não compreendem, e com o qual não querem lidar. Afinal são elas que detêm todo o poder no momento crucial da existência humana, são elas que controlam e dominam os preciosos momentos da origem do ser. E é nesses momentos que Eles esperam, na sala ao lado, descobrindo as vicissitudes dos momentos que não passam, aprendendo a lidar com tão complexo sentimento de espera, que abençoa todos os nascimentos, que o amor humano traz a este mundo. Esse sentimento ele conhecera com a palma da sua mão, esperando pelos seus filhos e netos. Numa família pequena, mas tão cheia de força, que já tanto passara, ele resistira sempre, como a mesa, onde, agora, as mulheres da sua vida se apoiavam, esperando; aprendendo, como ele, a lidar com esse mesmo sentimento, que torna o ar da sala pesado. O ar do amor humano que cresceu e ganhou asas. Neste momento, as três mulheres, as três gerações de mulheres que lhe preencheram o tempo, as maleitas e as alegrias; elas não sabem se ele vai voar para longe, para o céu que vê da janela do quarto do hospital, junto da janela que ilumina a sua cama. Por isso esperam, impacientemente.

Sem comentários:

Enviar um comentário