sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Como construir um Grito.

Nascemos todos a gritar. É preciso, uma necessidade de sobrevivência inata que rompe os pulmões nos primeiros segundos da existência. Contudo é breve este bradar e rapidamente nos aconchegam no peito materno, retornando ao silêncio que nos manteve confortavelmente resguardados durante os meses de gestação humana.
Assim, no silêncio começamos a crescer, sempre com a meigura das palavras pequeninas, temendo vozes graves que reconhecemos como figuras temerosas e barulhentas; começamos a gostar do embalar em vez da multidão que nos canta o nosso primeiro "parabéns a você...". Esse mar de gente que entoa palavras grandes, melodiosas, assusta qualquer pequeno ser que goste de silêncio, com certeza, será por este motivo, que os bichos do mato não festejam os seus aniversários!
Cresce-se um pouco mais e na nossa vida insignificante despertam em nós caras, cores, palavras. Aqui e ali reina a agitação e a desordem; ninguém se sente efectivamente confortável nesta situação, contudo procura-se ficar por cima: Grita-se. E como que a dizer que chegámos ao mundo para ficar, os pulmões rasgam-se uma vez mais, como no primeiro momento da existência. É legítimo! Queremos só marcar o nosso lugar no
compassado movimento do mundo, queremos afirmar uma banal posição à qual ninguém se ousará a opor.
Com o passar do tempo essa posição vai ficando menos vincada; há cada vez mais horizontes para alcançar e mais lugares onde hastear a bandeira; é preciso ganhar espaço e agir... Por isso, grita-se mais um pouco!
Os sentimentos e as pessoas mudam connosco, pelo que os gritos que outrora não passavam de clamores à vida, passaram a ser de comum uso; vandalizados, diria mesmo! Simplesmente o grito tomou o lugar de conversas, de música e de poesia. O grito passou a ser utilizado para vingar, acima de qualquer outro que se nos oponha! A posição fica marcada, é um facto, porém nem sempre vale de muito, pois todos os outros também desenvolveram este culto, este poder; também eles sabem gritar. Não se ganha nada e o grito perde-se no vazio, podendo por vezes acertar em quem menos espera. Inicia-se, deste modo, uma corrente malvada, que encadeia mal-dizeres de um lado com injurias do outro, que se fundem no calão e na disputa verbal. Cada facção puxa cada ponta da corrente bradando cada vez mais alto, procurando forças nos decibeis descompensados, que apenas consomem o fôlego de quem não sabe perder uma causa ou, tão simplesmente, a Razão.
Perde-se, assim, a motivação do grito, porque sem Razão qualquer temível bramido não assada de um assobio do vento, não passa de uma janela que bate, mas não quebra. Cai na indiferença qualquer palavra feia que tenha sido dita ou tenha ficado por dizer.
Sobra somente o eco, uma vibração oca, daquilo que foi grito, daquilo que foi dor. Morre. E com a morte some o grito. Fica só a mágoa de quem por cá, com a Razão toda, ficou.

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