quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Deus das Pequenas Coisas

"Quando Khubchand, o seu amado rafeiro de dezassete anos, cego, calvo e incontinente, decidiu encenar uma morte lenta e miserável, Estha cuidou dele durante essa provação final como se a sua própria vida dependesse disso. Nos últimos meses de vida, Khubchand, que tinha a melhor das intenções e a pior das bexigas, arrastava-se até ao janelo aberto na parte inferior da porta para lhe dar acesso ao quintal, empurrava-o com a cabeça e urinava tremulamente um líquido amarelo brilhante do lado de dentro. Depois, com a bexiga vazia e a consciência limpa, erguia para Estha os olhos verdes opacos que pareciam poças escumosas incrustadas no seu crânio grisalho, e cambaleava de regresso à sua almofada húmida, deixando marcas molhadas no soalho. Quando Khubchand estava a morrer na sua almofada, Estha podia ver a janela do quarto reflectida nos testículos lisos e púrpura do cão. E o céu mais além. E, uma vez, um pássaro cruzando-o em pleno voo. Para Estha - impregnado do cheiro de rosas vermelhas, ensanguetado pela lembrança de um homem despedaçado - o facto de algo tão frágil e tão insuportavelmente delicado ter sobrevivido, de lhe ter sido consentido existir, era um milagre. O voo de um pássaro reflectido nos testículos de um cão velho. Fazia-o sorrir com um sorriso aberto."

Arundhati Roy

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