domingo, 3 de julho de 2011

Era uma vez uma grainha.

Era uma vez, bem antiga, um homem que cultivou uma grainha maldita, que se lhe tinha enfiado num dente. Cultivou; como quem diz atirou-a para o chão e deixou que a terra se revoltasse com chuvas e ventos e cobrisse a pobre semente, que já vivera aventuras mais que suficientes para a sua curta existência! Da grainha brotou um caulezito verdejante, suportado por uns tentáculos fininhos, que se prendiam à terra como se a ferrassem sedentos. O homem, que entretanto não fora muito longe, dormira um pouco, e espalhara mais um sem número de grainhas pelas imediações, reparou naquele pedacinho de verde e, como se escutasse uma voz longínqua, não lhe fez mal algum, dedicando-se a observar o movimento daquele estranho ser, tão pequeno. E daquele pequeno nada, surgiu um verdejante arbusto, com mais frutos e grainhas. O homem aprendeu, com o tempo, a cultivar. Gostava de ver crescer aqueles pauzinhos verdes, dos quais brotavam uns braços largos, que embalavam o vento que passava. Melhor de tudo; tirava-lhe aquele incómodo remexer de barriga, que se não fosse atendido o arrastaria para a total escuridão. Se o homem soubesse o que é ser bonito talvez achasse bonito aquele ser, aquele tempo de crescimento mansinho. Mas o homem só ouvia a sua barriga ruidosa e não tinha tempo mansinho para pensar no sol a bater nas folhas verdes. Apenas ansiava o fruto, e do fruto as grainhas, para cultivar mais plantinhas verdes.
Um dia descobriu que podia cultivar outras sementes. Só a carne não crescia do chão! Tudo o resto parecia alimentar-se do próprio caminho que os seus pés faziam; tinha todo o sentido continuar a caminhar e procurar mais sementes e nova terra. Por isso, já não o primeiro homem, mas outro que se lhe seguiu, achou terras distantes, e mais sementes para cultivar. Descobriu, ainda, que se deitasse à terra madeira e palha secas um abrigo cresceria. Decidiu cultivar a construção e o seu próprio esforço, que regados com o seu suor, ganhavam frutos muito rapidamente!
E assim, vários homens foram aprendendo a cultivar e a aperfeiçoar a técnica, com as suas próprias mãos e mais tarde com máquinas. Até que o correr do tempo nos trouxe a Ele. Ele que já não precisava de comida da terra, pois esta vinha embalada. Já não precisava de esforço, pois as casas eram regadas a dinheiro, juros e prestações. Já não usava mãos nem máquinas, só a sua própria mente para alcançar tudo o que outrora fora cultivado. Aparentemente, era um homem de negócios, nada tinha de agricultor ou entendido de plantações. Contudo, todos os dias cultivava o medo. O medo de andar na rua, de perder, de não ser respeitado, de não se encontrar no meio de outros viveiros e plantações de despeito. Esse medo dava uns frutos pequeninos, mas muito abundantes, que caíam directamente no quintal do seu amigo, que os sacudia para os filhos, que os levavam, na mochila, para a escola. Esses frutos têm umas grainhas quase invisíveis, mas suficientemente selvagens para se entranharam na terra, nos dias que passam, e para crescerem cada vez mais fortes. Os prados de flores dão lugar ao culto do medo e da descrença. O homem já sabe o que é ser bonito, mas já não o pode ver, nem quando o vento sopra e embate nas vigas de betão.
O homem ainda hoje não sabe cultivar uma flor.

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