sábado, 27 de novembro de 2010

Como construir um Pelourinho.

Pedras, quero ver as pedras a esvoaçar.
Projectadas sem dó nem piedade, atingindo com força os corpos inertes. Grandes pedras, pesadas pedras. Que arranquem os bocados da carne já fria, espalhando o sangue no chão.
Quero rir-me daquela figura despedaçada que toma o lugar do espantalho velho, que outrora se dedicou à prática intensiva do susto. A figura, que é já espantalho sem olhos, está na praça pública à mercê de Ti, que apedrejas sem dó, sem penar. Quando a figura te pertencia, quando no calor sabias que a tinhas, o trigo do campo não te interessava. Que o diabo o levasse! Os dias no interior do quarto, sem os olhares inquisitórios da multidão furiosa, traziam-te a felicidade que até então desconhecias. E nas palavras doces, murmuradas no teu pescoço, sentias a tentação de comer a última fatia da tarte, que arrefecia na janela.

Porém, da figura a verdade surgiu. Assim, de repente, não mais que de repente, não estavas num quarto fechado nem dançava no ar o cheiro guloso da tarte, já fria. Ficou apenas a doçura da carne que bate na calçada, pedaço após pedaço, alimentando os corvos que poisam junto daqueles pés descalços.
Os pés da figura condenada, que arrancavas de ti à pedrada.

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